terça-feira, 10 de julho de 2012

meu primeiro rapel


   como descrever tantas coisas ao mesmo tempo? eu teria que parar no tempo e encaixar cada segundo em uma frase. seria como elaborar todo um texto apenas para explicar os cinco minutos mais intensos de minha vida. eu estava de frente para aquele penhasco. bom, não tão alto assim para muitos, apenas quase quarenta metros acima do chão em frente. meus pés em terra firme tão longe do chão seguinte, eu sentia o meu corpo impulsionar levemente para frente e logo voltar para o seu lugar. uma espécie de leve vertigem, talvez.
   as pessoas reagem de formas diferentes, e eu estava decidida a desistir. minha mente mostrava os perigos e aumentava o meu medo, enquanto meu coração me acalmava e empurrava em direção para as cordas que me sustentariam metros do chão. a corda transpassada no freio oito e o nada em minhas costas, meus pés procuravam o chão e encontravam apenas ar com um assustador barulho de água revoltada despencando metros abaixo. tentei manter a calma, mas meus olhos não conseguiam vidrar em algo a não ser na altura daquela cachoeira. desisti não por fraqueza, mas por paralisia. meu medo cresceu de tal forma que a confusão me perturbou. a mente venceu.
   sentei no tronco torto de uma árvore na parte de cima da cachoeira e esperei mais duas pessoas descerem. óh! como elas estavam felizes e tranquilas, porque eu não poderia ser assim? talvez minha tremedeira fosse um sinal para desistir; me convenci disto até o momento em que uma moça admitiu estar com as pernas bambas. não é sinal algum, é apenas o medo, como sempre o medo. quem é o próximo? perguntou o instrutor. restavam poucas pessoas, dei meu passo em frente. acenei timidamente, eu vou.
   novamente transpassaram a corda pelo freio oito e decidi não olhar para trás. meus pés caminhavam em marcha ré lentamente enquanto meus joelhos inclinavam um leve ângulo. o coração pulsava tão forte que a cada batida acelerada podia sentir todos os meus ossos tremerem, as mãos gélidas apertaram com força as inocentes cordas com a esperança de estar salva. apesar de saber que não era questão de força e sim tática.
   minhas costas encostaram com o nada novamente e senti um arrepio correr pela espinha dorsal. meus pés apavorados procuravam um degrau pelo desfiladeiro enquanto minha face demonstrava segurança e coragem, atitude que para os de fora denominava alguém que sabia o que fazia, e só eu sentia o tamanho do meu medo. a ponta do pé direito apoiou-se e em seguida o esquerdo. acabaram-se os degraus na parede de pedra, a água escorria logo ao lado e molhava as pedras mais em baixo tornando a parede rígida em um limo embalsamado.
   é mais difícil do que eu imaginava. peguei fôlego e forças, inclinei meu corpo para trás e libertei um pouco da corda presa em minha mão, meu corpo desceu e minhas pernas permaneceram patinando na parede de limo, quase na altura de meus ombros. um pavor tomou conta de mim, mas logo procurei me acalmar. travei a corda firmemente e respirei fundo.
   havia até esquecido que tinha um instrutor ao lado, tamanho medo que me circulava. ele sorriu e perguntou como eu estava. parei de patinar meus pés e respirei aliviada, estou bem, respondi. está tudo bem. ele segurou minha corda e pediu que eu a largasse, assim o fiz mesmo que receosa. erga os braços, sinta a diversão! ele recomendou. de braços estendidos como o Cristo, sorri alegremente com os olhos de encontro com uma câmera que fotografou em mínimos detalhes aquele momento.
   meu corpo, antes totalmente rígido e tenso, se permitia ser livre e confiar na natureza. pedi desculpas ao instrutor por ter pisoteado seu pé enquanto inutilmente patinava na parede de limos. desisti de lutar contra a parede e desci apenas pendurada pela corda e guiada pelo freio oito. eu alguns centímetros abaixo, o instrutor estava em cima, provavelmente auxiliando outra pessoa. eu desci lentamente até ficar suspensa quinze metros do chão.
   ao parar no ar pude sentir o que realmente acontecia comigo. toda aquela gritaria no meu interior havia se acalmado e dado liberdade para uma paz e um silêncio inimaginável. a paisagem era uma mistura de árvores altíssimas com pedras cobertas de folhas e plantas, estava cercada por uma parede de pedras que curvava-se ante o sol amarelado das três da tarde, era como se a cachoeira fosse tocada pelo sol.
   o barulho das águas, antes assustador, agora não passava de uma canção que acompanhava os uivos do vento que carregava gotículas daquele líquido gelado. as gotas tocavam minhas pele quente pela tensão que recém passara, o vento arrepiava meus poros e senti meu ser preencher-se pela natureza. era como se eu fizesse parte da natureza, da parede de pedras ou até mesmo da água que se atirava com tamanha vida.
   me senti pequena ante tantas coisas maravilhosas e gigantescas, mas isto não me causou medo ou frustração, eu estava feliz por ser parte de algo tão grande e meu, que ao mesmo tempo era de todos. provavelmente uma expressão abobada se apossou de meu rosto neste momento, nada mais justo. meus pés estavam soltos pelo ar e balançavam gentilmente, minha mão direita segurava a corda com veemência  na altura da cintura, enquanto a esquerda ousava tocar o limo na parede de pedras e mergulhar a ponta dos dedos na água branca e gelada que escorria. como eu gostaria que fosse para sempre assim.
   meu braço direito ficou cansando e o medo voltou sorrateiro, era hora de descer até o fim. lentamente desci empurrando meus pés contra a parede, mas não com intenção de machucá-la, agora ela era minha aliada e gerava impulso para a diversão. quanto mais próximo ao chão me aproximava, mais intenso era a água que tocava meu corpo. por fim não encostei no chão e sim no riacho que rondava a cachoeira.
   joguei-me na água e pouco me importei por estar congelante. tudo se tornou tão gostoso e bondoso, a ferocidade da natureza parou de ser assustadora, afinal temos medo apenas do desconhecido e me sentia um pouco mais íntima da mãe terra. ainda abobalhada com tudo o que senti e tentando reformular as sensações em minha mente, e água queimava minha pele chamejante. cheguei em terra firme para apreciar a cachoeira, minha nova amiga.
   decidi deixar de lado a razão, pouco importava exatamente o que eu havia sentido. eu senti e isto é o que importa. quando sinto é com o coração, quando penso é com a mente, seria loucura deixar uma parte intrometer-se com a outra. há limites para ambas, mas parece que o coração tão pequeno é capaz de gerar sensações infinitas vezes maior, enquanto a própria mente se limita a espaços cúbicos.
   anseio pela hora de rever tão perto a natureza amiga.

imagem tirada pelo instrutor do Trilhas Interpretativas

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