eu desejava mais que tudo que aquele dia

monstruoso se transformasse em uma tarde quente no havaí. cansada das janelas cobertas por aquela camada branca e densa, daquele ar gelado que encrostava em meus pulmões quase os congelando e paralisando, ardendo e rasgando todo o meu sistema respiratório. precisava tanto de sol, dos raios quentes e aconchegantes que geralmente deixavam minha frágil e pálida pele colorida como um bom tomate. a acidez do frio tornava tudo insuportável de tocar. todos os móveis frios e azulados, como se o mundo estivesse perdido. noites densas em altas cobertas. a sensação de nada aliviar aquele pavor, nem mesmo o adentrar em
uma lareira viva. o tempo deixou-se paralisar enquanto eu envelhecia lenta e cruelmente. confinada naquele lugar mesquinho e sem vida. aquele lugar azul e frio. não importasse o quanto meu pensamento voasse longe e suplicasse para o sol voltar a sorrir em meu lar, nada fazia efeito. foi preciso beber um frasco de coragem que estava guardado no sótão. um frasco destes pode matar se usado de forma errônea, porém se não fosse agora jamais existiria tempo para tomar uma atitude. meu ser preenchido pela coragem recusou-se a lamentar do frio, do azul, do lugar. e mesmo desnuda abri a porta que há anos estava trancada, ergui meu pé confiante e pisei com alegria na neve fofa e densa. de imediato senti meu pé petrificar, e esta sensação subia lentamente de meus pés para meus calcanhares, dos calcanhares para as panturrilhas, das panturrilhas para os joelhos. seria justo caso aquele fosse o fim, uma tragédia cruel para uma moça inocente. quando dei-me por vencida, acomodada estava de que viraria uma estátua de gelo. só então um raiar iluminou no horizonte, tão longe quanto o próprio céu. eu estava salva. meu amado sol veio para me salvar. aos poucos tudo tornou-se amarelo e vivo, quente e aconchegante. todo o vestígio da neve evaporou, transformando-se em gotinhas dóceis de chuva serôdia. aquele monstruoso lugar voltou a ser o meu lindo e florido lar.