segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Um Ceifador


  Realmente não me falaram sobre este mundo quando eu cheguei. Todos sorriam e choravam de alegria, olhavam meu corpo minúsculo e por todo frágil, todos com esperança e planos ao me ver sorrir e chorar.
  Eu, mesmo que criança inocente, carregava a farsa no agir - sorrisos para guloseimas e gritos para as verduras. Minha mãe morreu cedo, mas eu ainda lembro dos ovos fritos de apenas um lado com as gemas laranjas e moles para toda a família.
  Ao crescer as manhas foram aumentando, os choros premeditados, as chantagens passionais. Persuasão de muitos colegas na escola e nos arredores de casa, e não fiz nenhum amigo.
  No auge da adolescência e perdido por drogas ilícitas, percebi estar rodeado por pessoas que admiravam e idolatravam meu ser inventado. Um homem sério, honesto e fumante.
  Ninguém me conhecia e ninguém foi capaz de desvendar-me. Todos deixaram-se iludir com o que preferiam ver como verdade, e todos estiveram repletos de espanto ao conhecer uma pequena parcela de tudo o que verdadeiramente sou.
  Assim, novamente me encontrei sozinho, porém não tão só quanto antes; eu sempre estive só. A solidão é o vazio que nos cerca e gera barreiras entre os que acham estar próximos. Na vida adulta encontrei-me bem sucedido, jamais rico, muito menos feliz.
  Casei-me com a mais bela das moças na cidade onde me encontrei por cinco anos, e logo após isto a levei comigo para um país esquecido de todos. Sua ingenuidade me irritava e seus ovos fritos idênticos aos de minha mãe eram repugnantes, isto foi o mais perto do amor que me senti em toda a vida.
  Ela tola, tola, tola, sonhava com a vida perfeita na qual ela seria a princesa. Por isto no seu enterro - que coincidiu com o que seria o dia da comemoração do nosso quarto ano de casamento - dei-lhe uma coroa ao invés das rosas brancas. Neste simples dia estava obrigado a sentir-me triste.
  Os anos se passaram e sentia falta dos ovos fritos repugnantes. Acheguei-me de outras moças. Como sempre nenhuma me agradava o suficiente e seus ovos eram sempre perfeitos e de gemas duras, umas completas imprestáveis.
  Por simples coincidência todas acabavam sem fôlego e rodeadas por pétalas de rosas brancas, mas nenhuma ficava tão bela e pálida sob um caixão quanto a minha primeira moça dos ovos repugnantes.
  Em minha velhice a morte tardou e tarda a chegar. E hoje demora. Me pego a pensar por qual motivo nasci e ainda me ponho a viver.
  Minha vida não parece ser muito significante, provável que eu seja apenas mais um ceifador mortal obcecado por ovo frito de um lado e com gema alaranjada gelatinosa.
  E é engraçado como imaginam um homem destes por aí: um monstro tatuado e cheio de cicatrizes. Ninguém imaginaria que o vizinho desengonçado, de óculos ao estilo John Lennon e colecionador de botons seja um ceifador assim como eu.

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